Justo parecer

Já dizia o arcebispo e escritor francês Fénelon, nos primórdios de 1700, que “o homem verdadeiramente nobre é aquele que sabe ser verdadeiramente justo”.

Encontramos a oportunidade de sermos justos, por exemplo, na área pública ou privada, quando, através de um parecer, podemos beneficiar a coletividade com medidas saneadoras de inúmeras situações em que as pessoas ou grupos sociais e profissionais enfrentam em determinada conjuntura. Quem tem esta atribuição, nobre, diga-se, não deve se sentir magnânimo. É simplesmente um ato de justiça, de distribuir o que, por direito, pertence a cada pessoa.

Mas nessa área consultiva verifica-se na atualidade a existência de profissionais dos diversos campos do saber jurídico ou de outras áreas técnicas cujo conhecimento é muito doutrinário, mas sem a devida experiência e vivência dos fatos ocorridos, além da pesquisa necessária com os dados e cenários conjunturais que levaram à situação em análise. Isto, sem dúvida, embasará decisões verdadeiramente sábias, com aplicabilidade prática na vida das pessoas e das comunidades.

Alguns, na tentativa de rebuscar ou, mesmo, valorizar seu parecer, elaboram muitas laudas utilizando-se de argumentos sofísticos e espalhafatosos com o intuito de manipular, recepcionar e persuadir ou defender determinada posição, independentemente de seu valor e verdade.

O principal sofista que sustentava teses paradoxais ao sabor do momento, à época helênica, foi Protágoras, fundador do movimento. Ele atribuiu subjetivismo total tanto no terreno político como no ético, afirmando: “O homem é medida de todas as coisas.”

Para ele, as coisas são, portanto, relativas aos indivíduos e às suas convicções intrínsecas sobre as variadas situações da vida. Não existe uma verdade absoluta assim como não existem padrões morais absolutos, o que existem são coisas mais oportunas, úteis e convenientes. A pessoa sábia será aquela que conseguir distinguir o que é mais vantajoso e decente para cada situação. O sábio conseguirá também convencer os outros a reconhecer essa qualidade superior e fazer com que eles a ponham em prática. Assim, se um determinado profissional, sofista, for instado a elaborar um parecer, levará para seus argumentos essa sua natureza.

A sofística foi rechaçada categoricamente por Sócrates, um dos pensadores mais importantes da Grécia clássica, salientando que, para que haja uma definição de essência universal do homem, é preciso que exista algo além dos homens que nós conhecemos, um outro mundo onde exista a justiça em si, pois, para ele, é no mundo invisível que a justiça triunfa.

Nesse sentido, não poderíamos deixar de observar Santo Tomás de Aquino que, em seu “Comentário ao Livro V da Ética a Nicómaco”, de Aristóteles, analisando a tese jusfilosófica “Da Justiça e da injustiça”, trata de clarificá-la e sistematizá-la num sentido positivo, sendo relevante sua afirmação de que: “(...) Todos parecem querer dizer que a justiça é aquele hábito pelo qual no homem se provocam:

– Primeiro, uma inclinação para os atos de justiça, segundo a qual dizemos que o homem é executor do justo;

– Segundo, a ação justa (ou operação justa);

– Terceiro, que o homem queira fazer o justo ou agir justamente.”

Acrescentou que “o mesmo se há de dizer da injustiça, que é um hábito pelo qual os homens são executores do injusto”.

Segundo São Tomás de Aquino, a ética consiste em agir de acordo com a natureza racional. Todo o homem é dotado de livre-arbítrio, orientado pela consciência, e tem uma capacidade inata de captar, intuitivamente, os ditames da ordem moral. O primeiro postulado da ordem moral é: faz o bem e evita o mal.

Nesta ótica, o verdadeiro profissional não permitirá qualquer influência externa ou ao seu redor e não abandonará sua formação moral e ética para, sob quaisquer motivos, agradar um sistema cujo credo político seja elitista e contrário ao viés social das decisões, hoje altamente incrustrado em todos os níveis organizacionais da sociedade. Eis o risco.

Disso se depreende que não podemos nos dar ao luxo de, sob pena de cometermos um erro histórico, desenvolver nossas atividades, quer sejam de caráter público ou privado, com a marca de ações caracterizadas por injustiças, retóricas eivadas de sofismas, argumentações subjetivistas e teses paradoxais porque tais medidas levam a resultados desastrosos e prejudiciais às pessoas e à comunidade. Devemos, isto sim, pautar nossa conduta profissional tendo como produto pareceres, projetos e programas sociais que visem efetivamente o bem-estar social e o desenvolvimento da cidadania em toda sua plenitude. Isto é positivo, isto é realizar, isto é atuar proativamente.

Convém que lembremos, sempre: “O homem que sabe o que é justo com precisão e rigor fará o justo. É preciso saber para fazer o correto.”



Antonio Alencar Filho é administrador, presidente da Associação de Resgate e Cidadania do Estado de

Goiás e escreve aos domingos

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